11 de abril de 2008

Anatomia de um crime - O "Caso Esmeralda" visto por um cínico (*)


Um gajo vai às putas. Não é bonito, mas acontece.
Uma puta engravida. É azar, mas também acontece.
Um gajo acha que não é o pai. Espera não ser o pai.
Nem o pai nem a mãe querem aquela filha - da puta.

Há depois um casal que resolve compra uma criança na Sertã.
Cash & Carry. Mais barato que comprá-la em África.
Processo de adopção? Isso é para totós. Demora tempo, custa dinheiro, e sabe-se lá se a criança não vem com defeito.
Assim à má fila, é melhor. Não há recibos, não há registos. Logo, não há responsabilidades.

Mas eis que afinal o pai quer agir como pai!
Ele, pai biológico, dá entrada de um processo para requerer a custódia!
Que idade tinha a criança? Um ano.

Quatro dias antes de ser conhecido o resultado do teste de paternidade, os raptores (termo que tem a vantagem de ser mais objectivo do que "pais afectivos", esse neologismo sem sentido), agora muito bem acompanhados juridicamente, decidem registar a criança. Descobrem por esta altura a poesia da justiça portuguesa. Recurso após recurso, processo após processo, adiamento após adiamento, o caso arrasta-se e o tempo passa.

Quanto o tribunal determina que devem revelar o paradeiro da criança, o raptor recusa-se a fazê-lo. A opinião pública faz do criminoso um herói.

O tempo continua a passar, e eis que o reiterado criminoso, vulgo "herói" e "pai afectivo", acaba por revelar o paradeiro. Surge agora a legião dos psicólogos, preocupados com salvar aquela criança, e com esse outro argumento vazio - o "superior interesse da criança".

A anedota mais recente é que a criança, que devia ser entregue ao pai até ao final do mês, poderá não o ser - parece que está a reagir mal à transição, preocupando todos os psicólogos mediáticos do país.

É do superior interesse da criança, agora com 6 anos, que continue com os pais que sempre viu como os seus, porque eles mesmos nunca lhe apresentaram outra realidade.


Entretanto, em Penafiel, um recém-nascido que tinha sido raptado da maternidade foi encontrado ao fim de um ano e entregue aos pais biológicos. Teve azar, a raptora. Se tivesse prolongado o rapto por mais cinco anos, tornar-se-ia mãe de direito, por usucapião.


(*) Está por provar que ser cínico seja pior do que ser hipócrita. Ou ingénuo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Excerpto do acórdão do STJ:

«Está provado, neste domínio e em síntese, que:

Impediu que a menor fosse entregue à guarda e aos cuidados do pai, o assistente, ocultado o lugar onde esta se encontrava, chegando a mudar várias vezes de residência, apesar de saber que este tinha juridicamente a sua guarda e direcção, e que lhe incumbia educar e tratar a filha, com quem deveria viver, privando pai e filha da companhia um do outro.

Vem tomando decisões sobre o modo e condições de vida da menor, contra a vontade do seu pai, titular do exercício do poder paternal, a quem compete decidir sobre a vida daquela, sabendo que esta não tem capacidade de decisão.

Impediu a menor de criar vínculo afectivo com o progenitor, sequer de se aproximar dele, nunca tendo dialogado com este, no sentido de entre todos acordarem uma solução que causasse um menor sofrimento a esta, ao ser deslocada de junto de si para junto do pai; impediu-a de conhecer a sua verdadeira identidade, o seu verdadeiro nome, a sua realidade familiar, quer pelo lado do pai, quer pelo lado da mãe. Privou-a de frequentar um infantário, com o consequente convívio com outras crianças, apreender regras de convivência social, adquirir conhecimentos, facultar-lhe um são, harmonioso e sereno desenvolvimento e uma boa educação e formação, sabendo que quanto mais se prolongasse no tempo a recusa de entrega da menor ao pai, retendo-a junto de si, mais penoso seria para esta adaptar-se à sua família e ao contexto e valores de vida desta.
Isto quando logo em 27.2.2003 o pai da menor manifestou ao Ministério Público de Sertã, o desejo de regular o exercício do poder paternal e de ficar com a menor à sua guarda e cuidados e imediatamente procurou a filha, deslocando-se à residência do arguido, logo que conheceu o local onde esta se encontrava aos fins de semana, inúmeras vezes, reclamando a sua filha, conhecê-la e levá-la consigo para a sua residência, o nunca lhe foi permitido, mesmo durante o Processo de Regulação do Poder Paternal, cujo desfecho lhe foi favorável, percorrendo milhares de quilómetros em viatura própria, mensal e em determinadas alturas, semanalmente, quer para ver a filha, quer para que lhe fosse entregue.
O arguido, não obstante a sentença proferida na regulação do poder paternal, recusou-se a entregar a menor.
O pai da menor, quis e quer, desde que o soube ser o pai, assumir-se realmente como tal, não pode, como desejava, dar-lhe os cuidados e atenção de pai, apresentá-la à sua família, inseri-la no seu agregado familiar, quando organizou a sua vida nessa perspectiva. Sendo grande a sua tristeza, angustia e desespero, ao ver-se sucessivamente impedido de ter acesso à respectiva, filha por causa da actuação do arguido e esposa, sentimentos agravados e acentuados após a regulação do poder paternal, quando constatou que o mandado de entrega da menor remetido à PSP, não era cumprido, apesar dos seus esforços. Em consequência o assistente passou a ser uma pessoa reservada e fechada sobre si mesmo, evita falar na sua filha e em toda a situação à sua volta, porque sofre ao ver-se privado, como era seu direito, de acompanhar o processo de crescimento e desenvolvimento da sua filha. Sonha com a menor, imagina a sua voz, os seus gestos, frequentemente chora e pede à companheira para o ajudar por não aguentar mais a espera em ter consigo a menor. Estes danos morais são sofridos de forma paulatina e diariamente, mantendo-se ao presente, agravando-se à medida que o tempo vai decorrendo sem que a sua filha seja encontrada e lhe seja entregue. A situação de afastamento, ocultação e recusa de entrega da menor é de tal modo prolongada, que a parte considerável e essencial da sua infância se está a desenvolver fora da convivência da família biológica desta.»

in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5694dd5a9db5ffd0802573cc0044a3e6?OpenDocument



"Paguei porque o tribunal mandou e acho que está tudo dito. Fiz tudo pela menina, não prejudiquei Baltazar, não faz sentido. Ele que abra uma conta em nome dela", declarou o sargento. »

in http://sic.aeiou.pt/online/noticias/pais/20080724