9 de outubro de 2005

Sabedoria popular e falta de cultura democrática

Durante muitos anos, habituámo-nos a ouvir comentadores e políticos, comentando resultados de eleições, falar na sabedoria popular, e em coisas tão extraordinárias como que "o povo deu-me maioria para governar, mas não me deu maioria absoluta, para me indicar que deveria dialogar com as outras forças políticas". Ora eu lembro-me bem de ter votado nessas eleições, e afianço-vos que apenas se podia votar num partido, não sendo possível indicar coisas tão extraordinárias como a atrás mencionada.

Existe pois uma álgebra político-eleitoral que, apimentada com uma certa dose de semântica, determina que a soma de todas as cruzes colocadas nos boletins pode ser lida do modo que se quiser. É pois perfeitamente válido para muitos políticos e comentadores que existe uma espécie de "sabedoria colectiva", que por acaso corresponde à soma dos votos de cada indivíduo. A última vez que observei tal tipo de sabedoria colectiva foi naqueles bonequitos verdes com três olhos do Toy Story.

A visão é de um povo (somatório de pessoas individuais) que raramente tem dúvidas e que nunca se engana, apesar de cada uma das pessoas que dele fazem parte ter dúvidas sistemáticas e viver enganado (basta ver que o SLB tem 8 milhões de adeptos).

Agora, com os autarcas-bandidos, a coisa é muito engraçada. De repende, comentadores e políticos descobriram que afinal, o povo não é soberano, não sabe o que quer e também se engana.

Enquanto o "povo" votava de um modo perfeitamente previsível, mais alternância ou menos maioria, tinha razão. De repente, perdeu-a. Acontece.

Cá por mim, penso que seria mais sério fazer uma leitura despida de preconceitos. Talvez porque sou ingénuo, gostaria de pensar que se é de facto inocente até ser condenado por uma sentença transitada em julgado, ie, inapelável. Assim, bandidos são os que foram condenados, não os que estão acusados. Prefiro viver num país em que se é inocente até prova em contrário, e não num país em que se é culpado até prova em contrário. Acusar alguém não custa, e o que não custa tem pouco valor.

Mas dando de barato que os ditos senhores e senhora roubaram, pilharam, chantagearam, branquearam (ou azularam), tudo a coberto de um mandado popular...

Porque é que o mesmo povo que os elegeu se propõe agora apostar no(s) mesmo(s) cavalo(s)? Cá por mim, que por acaso não voto nem em Oeiras, nem em Gondomar, nem em Amarante e nem em Felgueiras, a coisa é explicável de uma forma simples: "dos males, o menor".

Entre um político "bandido" e um político incompetente, a maioria das pessoas prefere o "bandido", por ser um mal menor. Cá para mim, estas eleições mostrarão não a ignorância de um povo, mas o desespero de um povo.

Diz-se agora que votar nestes candidatos é um sinal do fracasso de 30 anos de democracia. Fracasso é só um em cada três eleitores votarem de facto. No momento do voto, o eleitor não indica se quer que A, B ou C tenha maiorias absolutas, ou se quer que D seja o maior partido da oposição. Pode no entanto votar em branco, nulo ou em qualquer outro candidato. Estas são as regras da democracia. Regras estas que pelos vistos incomodam comentadores e políticos, que de repente descobriram que o povo tem pouca cultura democrática. Falta de cultura democrática é não aceitar a vontade do povo, conforme comentadores e políticos agora querem fazer.

Uma citação atribuída a Sir Winston Churchill, para terminar:
It is a fine thing to be honest, but it is also very important to be right.

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