5 de fevereiro de 2007

Sócrates, afinal

Os movimentos pelo "Não" propõem que o parlamento legisle para despenalizar o aborto. Isto parece significar que há um pleno de vontades para que o abordo seja despenalizado/descriminalizado.

Sócrates responde, pasme-se, que faz questão de que a lei seja cumprida. Se o Não ganhar, serão levadas a tribunal mulheres apanhadas a abortar!

Afinal, Sócrates não é contra o aborto clandestino.
Afinal, Sócrates não quer evitar que morram mulheres por essa razão.
Afinal, Sócrates não quer evitar que sejam presas mulheres por terem abortado.

Na palhaçada que é este referendo, desde o início, uma vez mais os papéis invertem-se. Temos agora pelo menos um defensor do Sim que se afirma muito mais preocupado em que o "Sim" ganhe do que em manter quem aborta fora da cadeia!

Afinal, Sócrates vê no referendo uma oportunidade de disputar uma batalha política, não uma forma de ouvir a voz do povo. Afirmar que fará questão de que a lei seja cumprida, quando é sabido que pouco ou nada tem sido feito nesse sentido é, claramente, chantagem.

Ontem finalmente percebi que vou mesmo votar "Não". Ou "Assim, não", se preferirem. Para que conste, votei "Sim" no primeiro referendo. De facto, as coisas mudaram.

8 comentários:

Gonçalo Taipa Teixeira disse...

Honesto, para não variar...

AA disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
AA disse...

Caro Aves Raras,

A voz do povo é a que se vai ouvir no referendo. Se as pessoas votarem "sim", a lei é mudada. Se votarem "não", a lei não é mudada. É só isso que interessa.

Mais, é isso que é a Lei, pois da mesma maneira que o "sim" é uma autorização legislativa à Assembleia da República, o "não" é uma desautorização.

Será inconstitucional, e um desrespeito aos votantes, que passando um "não" ("não queremos que a lei mude"), a lei seja mudada pelos deputados. Da mesma maneira que o seria se o resultado fosse o outro e tudo ficasse na mesma.

Independentemente do que quer ou não quer Sócrates (não digo que as pessoas não devam votar para o contrariar, cidadãos adultos fazem o que quiserem), o primeiro-ministro, como representante máximo do ramo executivo da república, tem de cumprir - executar - a lei. Não tem que andar a dizer "sim é não" e "não é sim"

Anónimo disse...

Parece-me pouco coerente da parte de alguém dizer que, apesar de achar que se deve despenalizar/(liberalizar) a interrupção voluntária da gravidez, vai votar não porque achou que a forma como outrém assumiu uma posição é errada e despropositada. Mas opiniões de lado neste ramo, é de referir que, apesar de perceber o ponto de vista aqui apresentado em relação à expressão de opinião do senhor PM, é importante lembrar que este mesmo é o representante de uma qualquer faceta de legalidade, e que uma lei sem penalização é incoerente com qualquer coisa que se defenda na legalidade de um Estado. Acho que é mais ridículo defender-se um "Não" neste referendo e depois continuar-se sem alterar a lei e não se fazer esta ser cumprida. Afinal já nos chamam a República das Bananas. É sempre uma espécie de precedente legal. Ter uma lei que dá pena de prisão, mas, olhem, é só para inglês ver, gastar dinheiro em investigações e julgamentos e mostrar as abortadeiras, depois manda-se o pessoal para casa...

Alice

Aves Raras disse...

Caro AA, não tenho formação relevante em Direito, pelo que terá que desculpar (ou despenalizar) o meu desconhecimento técnico sobre leis.

Refugio-me no "Pequeno Príncipe" de Antoine Saint-Exupéry para responder ao seu comentário. Diz o Rei, no primeiro planeta:

"Accepted authority rests first of all on reason. [...] I have the right to require obedience because my orders are reasonable."

Não discuto a importância das questões formais, mas é meu entendimento que a lei deve estar ao serviço da Sociedade, não o contrário. Se uma lei não é adequada, pode ser mudada. Não faz sentido questionar se a lei é para cumprir ou não, mas faz sentido questionar se a lei deve ser mudada. O referendo é uma das formas de consulta do povo. Quanto ao aspecto da prisão de mulheres que abortaram, parece haver muito poucas dúvidas de que ninguém quer que aconteça.

Aves Raras disse...

Alice,
Despenalizar significa retirar a penalização. Liberalizar significa permitir o livre acesso. Eu sou pela despenalização mas contra a liberalização.
A minha opinião é a que ouvi a Alberto João Jardim, há muitos anos (citado de memória):
"Aceito que haja condições em que o aborto deva ser permitido, mas choca-me que o acesso a um aborto seja tão simples como uma ida ao supermercado."
Gostaria que o aborto fosse sempre e só uma solução de último recurso, uma medida extrema. O meu receio é que uma liberalização signifique um aumento substancial do número de abortos.

Quanto à coerência ou até à possibilidade técnica de criar uma lei que proibindo, não penalize, suponho que não haja aí nenhuma impossibilidade técnica - afinal de contas, é uma situação defendida por eminentes juristas.

Aves Raras disse...

Já agora, não me parece que o Estado seja quem mais legitimidade tem para se proclamar como defensor da legalidade e do cumprimento da lei.
Recordo-me de casos como a dupla tributação, por exemplo no caso do IVA/Imposto automóvel, que são contrárias à lei (pelo que julgo saber) mas são praticadas umas centenas de milhares de vezes, todos os anos.
Dito isto, reafirmo que a minha posição não é a de ter uma lei que não é para cumprir, mas a de adequar a lei à Sociedade.

Anónimo disse...

Percebe-se que a liberalização seja um assunto que deveria ser votado numa outra situação ou ocasião, e não em conjunto com este referendo. Percebe-se que muita gente não concorde com essa segunda parte do referendo, a despenalização. Mas percebe-se a facilidade de fazer um aborto - como ir ao supermercado? Nem que haja uma minoria para a qual isso seja um lugar comum, um método contraceptivo... Parece-me muito rebuscado que as mulheres achem assim tão fácil fazer uma interrupção da gravidez. Nós somos bichos estranhos, mas não tanto.

De qualquer das forma, é verdade que é premente é mudar a situação da penalização. Mas que a liberalização seja um cheque em branco com tão más repercussões... Chega mudar a lei para não haver prisões e depois continuam a haver as senhoras também chamadas de parteiras a usar um utensílio que também serve para fazer malha e continuamos com a parte mais grave do problema. Ainda acredito que a liberalização possa levar a um maior controlo. Nem que seja, como disse no seu post José, como no caso alemão. Encontrar uma solução adequada com a ajuda dada realmente a mulheres que pensem fazer uma IVG é ainda mais premente.
Alice